Na madrugada do último sábado (07/06), os componentes da quadrilha junina João Danado, do Morro do Santo Amaro, no Catete, Zona Sul da cidade do Rio de Janeiro, estavam fazendo uma oração antes do início da apresentação. Era dia de estreia do tema deste ano de 2025. Nessas datas nas quais acontecem as revelações dos temas, quadrilhas parceiras são convidadas e também se apresentam. Entre uma e outra, acontecem rodinhas de dança, promovidas pelos integrantes dos grupos. Enquanto uma dessas rodinhas terminava para que a quadrilha João Danado começasse a mostrar seus os e adereços, os tiros foram ouvidos.
“Bateu tiro numa caixa de água, num poste e foi aquela correria. Eu fui para frente, tentando proteger as crianças, falei com os policiais que eles estavam errados, que aquilo ali tudo estava errado, que era pobre matando pobre, preto matando preto. Jogaram uma bomba de gás na minha direção“, conta Rodrigo Ribeiro, puxador da quadrilha João Danado, que foi fundada em 1994 e escolheu a brasilidade como tema para as apresentações de 2025.
Depois disso, Rodrigo recorda que os policiais socorreram duas das pessoas que foram baleadas. Herus ainda ficou esperando para ser levado ao hospital. “Levamos ele no meu carro. Ele foi bem atendido lá na hora que chegamos. Quando eu voltei para o morro, estava acontecendo outro tiroteio na parte de baixo“, fala o puxador.

Herus Guimarães Mendes. Foto: Reprodução redes sociais
Herus Guimarães Mendes, de 24 anos, foi atingido por dois tiros e levado ao Hospital Glória D’Or. Mas não resistiu. Herus era office boy em uma imobiliária, pai de um menino de dois anos e filho único.
Dias depois da operação do Batalhão de Operações Policiais Especiais (Bope), que levou a morte de jovem Herus e deixou mais cinco pessoas feridas, o medo ainda dá o tom entre os componentes da quadrilha junina João Danado. “As crianças estão traumatizadas. Tem até umas instituições ajudando nesse apoio psicológico. É tão difícil conseguirmos jovens para dançar quadrilha, as pessoas estão cada vez mais tímidas, quando a gente consegue formar um grupo, juntar pessoas para assistir, acontece isso“, frisa Rodrigo.
Imagem da correria após os primeiros tiros. Foto: Reprodução/Youtube
O puxador disse que a situação desse tipo mais próxima que o grupo da João Danado havia ado foi uma vez que estavam ensaiando em um campo de futebol no Moro do Santo Amaro e um carro do Bope não quis se afastar alguns metros para que eles tivessem mais espaço para dançar. “Nunca tivemos problemas com ninguém”, reforça.
Em meio ao tiroteio, roupas e adereços da quadrilha João Danado foram danificados. “Um tiro pegou em uma alegoria de um boi que temos. Eu até ironizei com o pessoal falando que o único bandido que a polícia acertou dessa vez foi o boi bandido”, lembra Rodrigo.
Além das crianças, os pais também estão com medo. Têm receio de que os filhos voltem a dançar e aconteça novamente algo parecido com o que ocorreu na madrugada do último sábado. No entanto, um pai e uma mãe colocaram outro sentimento na roda: a coragem.
“Em conversa com os pais do Herus, os mesmos pediram para continuarmos. Isso deu força para gente. Vamos nos reunir na próxima semana para analisar o estrago dos figurinos, cenários e órios e averiguar o que sobrou“, afirmou Simone Rocha, a presidente da quadrilha junina João Danado.
Simone detalha que os membros do grupo e toda a comunidade do Santo Amaro estão muito sensibilizados com o ocorrido na noite da estreia. A princípio, a intenção era encerrar as atividades e cancelar toda a agenda de apresentações. “Mas ao levar esse posicionamento para o grupo, um dos componentes fez a seguinte pergunta: ‘Então eles venceram?'”.
Sobre encerrar as atividades da quadrilha junina João Danado, o puxador Rodrigo responde: “Pensamos em desistir, mas agora vamos resistir. Virou nosso lema“.

Foto: Voz das Comunidades
A Polícia Militar informou que a operação foi uma ação emergencial do Bope para verificar a presença de criminosos armados que estariam se preparando para uma possível invasão de facção rival.
No dia 08/06 foi determinado o afastamento imediato dos responsáveis por autorizar a operação do Bope realizada na madrugada do último sábado (07/06), durante a festa junina no Morro do Santo Amaro.
Foram afastados o coronel André Luiz de Souza Batista, comandante do Comando de Operações Especiais (COE), o coronel Aristheu Lopes, comandante do Batalhão de Operações Especiais (Bope), além de 12 policiais do Bope que participaram da ação.